Sobre derrubamento de estátuas

Há tempos venho tomado valor, ou seja orgulho, não tendo muitos motivos outros dos quais orgulhar-me, de ser afidalgado, levemente afidalgado, não demasiadamente pois arriscaria-me assim parecer anacrônico, não sendo totalmente fidalgo pois tenho alguns costados judeus e pretos, coisa pouca coisa muita, mas tendo costados pretos, tendo costados fidalgos, sendo pentaneto na linha paterna de um cavaleiro do Hábito da Ordem de Cristo que liderou uma contrarrevolução em nome do nosso rei D. João VI e que tinha alguns escravos (a conta era mais de cem), sendo decaneto de um herói da Guerra Holandesa que fez preservar este Brasil luso tão apreciado por nós todos e que fez governar aquele Rio de Janeiro e esse Brasil, descendendo dos primeiros povoadores de Olinda e da cidade de São Salvador da Baía, e tendo também alguns antepassados escravos, percebo-me, no topo de uma mania, como a pessoa ideal para discutir sobre este assunto de derrubar essas estátuas pois obviamente alguns viraram estátuas ou nomes de rua. Eu venho me masturbando há tempos com a glória de todos esses antepassados em mente, eu venho me masturbando amiúde pensando nas mais diversas estátuas dos mais diversos facínoras; venho me apresentado como trineto daquela estátua ali no Vale do Paraíba, como tetraneto do sujeito que pediu a pena de morte pr’aquela estátua ali no centro do nosso Rio de Janeiro maravilhoso (feito fundar por um primo! Deus o tenha, Estácio de Sá, pois ainda consigo uma boa mamata com base neste parentesco longínquo), e venho ouvindo uau! e nossa que legal, então falo eu com um fidalgo? a quais respondo, humildemente pois a nobreza obriga, por favor, diga-me afidalgado e não me faça especial vénia.

Estabelecida minha perversão sexual, sobre qual converso frequentemente com meu psicanalista, um senhor que por se encontrar neste vasto domínio de perversão sexual, se compadece de meu problema e o compreende, e estabelecida minha total falta de méritos fora aqueles oriundos da fidalguia, registrados em alguns nobiliários e anuários genealógicos, arrisco-me a engendrar uma argumentação a favor da manutenção da presença dessas estátuas de todas aquelas gentes que talvez tenham matado, talvez tenham escravizado, talvez tenham estuprado, e digo estes talvez com toda a certeza deste mundo, mas que seguem provendo validação àqueles pobres meninos brancos saudosos da fidalguia de seus antepassados, gente como a gente ou ao menos gente como eu, algo que, em minha opinião muito valorosa, seu imenso valor já tendo sido estabelecido neste ensaio e pelo meu sobrenome, é a mais válida raison d’être.

O argumento principal deste ensaio, e talvez único, é que demolir estátuas para acomodar maiorias, ou seja os negros, enquanto fere uma minoria extremamente pequena e sem voz, a dos membros das famílias principais desta terra, é algo insanamente tirânico, e a história, que espero ser escrita por algum parente, haverá de condenar todos aqueles que pedem a demolição de um inocente Borba Gato de colete, ferindo assim milhares de afidalgados, os levando à marginalidade, mostrando a todos estes jovens que o Brasil não os deseja.

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